Édipo
(por Anoninus Anônimo)
Há dias em que pensamos que somos invencíveis. Hoje não é um desses dias. Hoje me sinto pior que derrotado. Me sinto imobilizado, descrente se sequer vale a pena entrar no jogo da vida. É certeza que vou morrer na praia.
Esse sentimento assusta. Tanto que não me atrevo permanecer nele. Divago superficialmente nessa possibilidade, sem mergulhar. Temo o que posso encontrar no fundo dessa verdade tão incômoda. Anestesiei a mim mesmo e, imóvel de alma, o fluxo me leva.
E com o fluxo vem o que deveria ser a vida.
Vem fraca, pálida, passiva. E minha alma, meu instinto se irrita com isso. O animal que sou quer sangue, vermelho e vivo correndo nas minhas veias, quer sêmen, quer prazer, quer perder o fôlego e não recuperá-lo mais. Mas o homem que também sou rescinde tudo isso. O homem que também sou sabe que isso tudo é baixo, irreal, não-arte. Ele apaga a chama do meu querer-viver e aceita a entropia.
Mas o homem é software, e o animal é hardware. Ele ruge, e o homem sofre. Como sofre. Sofre um sofrimento solitário, árduo, duro e imaterial, uma batalha de si contra si. Um banho de sangue sem-dono, frio, coagulado, que quase parava nas minhas veias, na minha mente e me imobilizava.
Não aguento mais esse sofrimento.
Quero morrer mas tenho medo. Quero deixar de ser homem e virar alma, música, arte, sem dor e sem memória. Será que tem como?